A DIMENSÃO SOCIAL DA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO CEARÁ

Ubirajara Patrício Álvares da Silva1

… o problema da água é, sobretudo, um problema de democracia e de solidariedade. Se as sociedades humanas, a partir das comunidades, da base para cima, não forem orientadas por uma cultura e práticas democráticas, baseadas na solidariedade, a própria água passará a ser uma fonte de desigualdade e injustiça social.”

Petrella (2002, p. 149).

INTRODUÇÃO

A água é um recurso natural renovável, fundamental a vida e ao desenvolvimento humano. Apresenta uma intrínseca característica de estar sempre em movimento no ambiente, apresentando três fases: aérea, superficial e subterrânea. A essa circulação é dada a denominação de ciclo hidrológico.

Além de estar sempre em movimento, a água se presta a múltiplos usos. Estes podem ser consuntivos, quando há perdas entre o que é retirado e o que retorna ao curso natural (irrigação, abastecimento humano, uso industrial, etc.) e não-consuntivos, quando não há perdas entre o que é retirado e o que retorna ao curso natural (pesca, navegação, lazer, etc). Essa diversidade de usos e de interesses distintos são competitivos e por muitas vezes conflitantes.

O processo de gestão dos recursos hídricos é por natureza complexo, pois envolve interesses diversos, tanto entre os múltiplos usos que se presta a água, quanto entre os usuários de um mesmo tipo de uso, bem como a preocupação de garantir o atendimento das necessidades de água das gerações futuras.

Essa complexidade coloca a necessidade de uma abordagem participativa, que envolva esses interesses de forma a criar as condições necessárias para um planejamento da utilização dos recursos hídricos, contemplando o atendimento aos vários usos de forma equilibrada.

A participação da sociedade na gestão dos recursos hídricos é o princípio que determina a mudança de paradigma na gestão da água, pois incorpora uma demanda social cada vez mais crescente que é a da participação real nos planejamentos e execução das políticas públicas, nos diversos setores, em particular nos recursos hídricos dada suas características específicas supracitadas.

A água tem diversas características que devem ser consideradas para a sua gestão, entre essas se podem destacar: Que a água é essencial à sobrevivência dos seres humanos e das outras espécies vivas no planeta; é o meio imprescindível para a manutenção dos fluxos de matéria e energia dos ecossistemas terrestres; é um recurso natural renovável, todavia é um recurso finito, na medida em que a capacidade de autodepuração da água é limitada; esta sempre em movimento, dentro do seu ciclo hidrológico; tem múltiplos usos, que são competitivos entre si, apresentando um potencial conflituoso; é um bem público, de uso comum de toda a sociedade; deve ser considerada um recurso de valor social e econômico.

Diante dessas características, a gestão dos recursos hídricos deve seguir alguns preceitos, dos quais destacamos: A adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento; a descentralização das ações; a indissociabilidade entre os aspectos quantitativos e qualitativos; a integração com a gestão dos outros recursos naturais; e a participação da sociedade no processo de gestão, passo fundamental para um efetivo controle social dos aspectos de uso controle e conservação da água.

A GESTÃO DA ÁGUA NO CEARÁ

O Ceará tem conseguido significativos avanços na gestão dos recursos hídricos. Esse processo tem como marco institucional a criação da Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), em 1987, que promoveu os estudos e ações necessárias para elaboração do Plano Estadual de Recursos Hídricos, concluído em 1992. Como resultado dessas ações institucionais, também em 1992, é promulgado a Política Estadual dos Recursos Hídricos (LEI 11.996), que define que a gestão das águas estaduais deve ser descentralizada, integrada e participativa.

Em 1993 é criada, pelo Governo do Estado do Ceará, a Companhia de Gestão de Recursos Hídricos – COGERH, que tem como missão gerenciar os recursos hídricos de domínio do Estado do Ceará e da União, por delegação, de forma integrada, descentralizada e participativa, incentivando o uso racional, social e sustentado, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população.

O Plano Estadual dos Recursos Hídricos dividiu o Ceará em 11 regiões hidrográficas (Salgado, Alto Jaguaribe, Médio Jaguaribe, Baixo Jaguaribe, Banabuiú, Metropolitanas, Curu, Litoral, Acaraú, Coreaú e Poti-Longá), definidas enquanto unidades de ação e planejamento para o desenvolvimento da Política Estadual dos Recursos Hídricos.

 

A PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS

Diversas experiências administrativas tem acontecido para a implementação da gestão participativa dos recursos hídricos, buscando a descentralização do processo decisório, com uma maior participação social. Com estas experiências de descentralização, começa-se a inseri um novo padrão de governabilidade, com a formação de colegiados, onde se materializa a participação social na gestão dos recursos hídricos.

È preciso perceber que a definição da política para o setor de recursos hídricos não poderia ser muito diferente da realidade política da formulação das demais políticas públicas. O tipo e a qualidade das políticas públicas a serem implementadas pelo Estado, depende fundamentalmente de quais grupos de interesses que vão ter hegemonia nas disputas sobre o que deve ser feito, como fazer, onde e quando aplicar os recursos e a quem distribuir os resultados.

Para a compreensão de como se processa a gestão compartilhada ou gestão participativa dos bens sociais é preciso conhecer a evolução histórica da sociedade brasileira no que diz respeito a forma de participação dos atores sociais, entendendo o movimento de unidade e luta entre o Estado e a Sociedade Civil.

A EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL2

O Estado brasileiro sempre teve uma ação autoritária, sempre restringindo a possibilidade e os espaços de participação das camadas populares, no que diz respeito as questões importantes e decisivas para o destino do país.

Ao longo da sua história, a sociedade brasileira tem lutado por mais participação nas decisões e ações que definem os destinos do país. Esses espaços de participação democrática tem sido duramente conquistada por esta mesma sociedade, de um Estado tradicionalmente privatista, que mantém relações simbióticas e corporativas com grupos privilegiados.

O processo de democratização da sociedade brasileira ocorrido nos anos 80 é marcada pela emergência de novos movimentos sociais, representativos das classes populares que foram sufocados no período da ditadura, e que reivindicam cada vez mais a possibilidade de participar diretamente das decisões das políticas públicas. Nesse sentido começa a reivindicação pela constituição de conselhos setoriais, com os de saúde, educação, defesa da criança, etc.

Nos anos de 1990 ocorre uma generalização do discurso da “participação”. Os mais diversos atores sociais, tanto na sociedade como no Estado reivindicam e apóiam a “participação social”, a democracia participativa, o controle social sobre o Estado. Desta forma a participação, democracia e controle social, não são conceitos com o mesmo significado para os diversos atores sociais e têm para cada um deles, uma construção histórica diferente.

Tão importante quanto a construção dos diversos espaços de gestão participativa, foi a construção, que marca este período de forte mobilização social, de uma cultura participativa, que admite, reivindica e valoriza a participação direta e o controle social por parte dos usuários e outros segmentos interessados nas políticas públicas.

Graham (1995), citado por Carvalho (1998), afirma que:

o aprofundamento da democracia que temos visto no Brasil não pode ser explicado somente como obra de engenharia institucional mas afirma o importante significado da expansão da mobilização como fator de transformação das instituições a partir dos espaços desorganização da sociedade. Sem a forte presença dos movimentos sociais não se pode explicar uma crescente mudança cultural que se opõe aos velhos padrões da política, clientelista, elitista e corruptos, uma sociedade que, em diversas de suas atitudes recentes, embora de uma forma descontínua, enfatiza a representatividade, exige maior transparência e respeitabilidade nas ações governamentais.”

O discurso da participação é utilizado hoje de maneira bastante generalizada, por diversos setores sociais, e aparenta certa unanimidade que valoriza a cidadania e a democracia, a descentralização, a participação da sociedade na gestão de seus interesses comuns, o controle social sobre o Estado e que teme e condena o monopólio do Estado sobre a gestão da “coisa pública”. A definição da abrangência dessa participação, de quem deve “participar” e em que amplitude essa participação é desejável, são o divisor de águas que passa a explicitar projetos, numa permanente disputa de significados.

Em geral os governos utilizam-se do discurso da “crise financeira” do Estado, a falta de recursos para atender a demanda crescentemente explícita (causada por uma população cada vez mais organizada e reivindicativa) de serviços públicos mais universais (saúde, educação, moradia, transporte) para justificar a importância e a necessidade de implementar práticas participativas, que viabilizam, de forma mais barata políticas e serviços públicos sociais.

Entretanto o movimento dos governos neoliberais de desobrigar-se de encargos sociais gera uma transferência de responsabilidade às instâncias locais, ao mercado e à sociedade. Este é um tipo de Reforma do Estado fundado em concepções e ações que não privilegiam o fortalecimento da cidadania, que ao invés de direitos retorna aos favores e à caridade, que não produz políticas universais ma políticas compensatórias, verdadeiras “cestas básicas” de saúde, educação, previdência, etc. para os mais pobres, privatizando tudo o mais.

Um modelo de gestão pública realmente participativo, onde a sociedade decida sobre os rumos das políticas públicas, vem sendo construído paulatinamente onde o Estado brasileiro, tradicionalmente privatizado pelos seus vínculos com grupos oligárquicos, vai lentamente “cedendo” espaço, tornando-se mais permeável a uma sociedade civil que se organiza, que se articula, que constitui espaços públicos nos quais reivindica opinar e interferir sobre a política, sobre a gestão do destino comum da sociedade.

ASPECTOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS DA PARTICIPAÇÃO

O conceito de participação pode variar de significado para os diversos atores sociais, que se diferenciam em função de suas construções históricas, visão de mundo e dos projetos de sociedade. Para Bordenave (1994, p. 20), participação pode ser concebida como:

 

o processo coletivo transformador, às vezes contestatório, no qual os setores marginalizados se incorporam à vida social por direito próprio e não como convidados de pedra, conquistando uma presença ativa e decisória nos processos de produção, distribuição, consumo, vida política e criação cultural.”

Bordenave (1994) define dois tipos de participação: a participação real e a participação simbólica. Na participação simbólica os membros de um grupo têm influência mínima nas decisões e nas operações, ma são mantidos na ilusão de que exercem o poder. Na participação real os membros influenciam em todos os processos da vida institucional. Para a participação real se concretizar precisa de certos processos através dos quais o grupo realiza sua ação transformadora sobre seu ambiente e sobre seus próprios componentes, que seria o conhecimento da realidade, a organização, a comunicação, a educação para a participação (capacitação) e a escolha dos instrumentos.

A participação real deve ter como conseqüência o controle social das políticas públicas. Entretanto há várias interpretações de como participar e de que tipo de participação é necessária. Pois pode haver tipos de participação que não levam a nenhum controle social, como os conselhos meramente consultivos que não estabelecem efetivamente nenhum mecanismo de controle social sobre as políticas públicas, restando apenas a legitimação das decisões que são tomadas em outras instâncias.

A questão chave da participação é qual o grau de controle dos membros sobre as decisões e quão importantes são as decisões de que se pode participar.

Ampliando mais o conceito, Ammann (1980, p. 61), entendendo que a participação deve ser concebida na qualidade de um processo dialético que depende das relações sociais de produção e das orientações políticas e ideológicas do Estado, define que a “Participação social é o processo mediante o qual as diversas camadas sociais tomam parte na produção, na gestão e no usufruto dos bens de uma sociedade historicamente determinada.”

As condições de participação no mundo atual são essencialmente conflituosas e não pode ser analisada sem referência ao conflito social. É necessário considerar a participação como algo diferente de uma simples relação humana, ou de um conjunto de medidas para integrar os indivíduos e as coletividades locais nos programas de tipo assistencial ou educativo. Não se pode fugir à análise da estrutura de poder e da sua freqüente oposição a toda tentativa de participação que coloque em julgamento as classes dirigentes e seus privilégios. Sobre isso, Bordenave (1994, p.40), afirma que:

o fato de nossa sociedade estar estratificada em classes sociais superpostas e com interesses às vezes antagônicos nos leva à pergunta se uma estrutura como a nossa favorece a participação, admitindo-se que só se participa realmente quando se está entre iguais (…). A participação não pode ser igualitária e democrática quando a estrutura de poder concentra as decisões numa elite minoritária.”

Como vivemos em uma sociedade estratificada em classes sociais, essas classes muitas vezes apresentam interesses antagônicos, e entram em luta por posições e projetos diferentes. Para mediar esses interesses antagônicos, o Estado atua direcionando as políticas públicas. No entanto, as ações do Estado são influenciadas diretamente pelos interesses dos grupos dominantes.

Sobre esse aspecto, Engels (1981), citado por Carnoy (1990, p. 69), ao desenvolver o conceito de Estado formulado por ele e Marx, na publicação Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, afirma que:

o Estado não é, pois, de forma alguma, um poder imposto à sociedade de fora para dentro; tampouco é ‘a realização da idéia moral’ ou ‘a imagem e realidade da razão’, como afirma Hegel. É antes, um produto da sociedade num determinado estágio de desenvolvimento; é a revelação de que essa sociedade se envolveu numa irremediável contradição consigo mesma e que está dividida em antagonismos irreconciliáveis que não consegue exorcizar. No entanto, a fim de que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos conflitantes não se consumam e não afundem a sociedade numa luta infrutífera, um poder, aparentemente acima da sociedade, tem-se tornado necessário para moderar o conflito e mantê-lo dentro dos limites da ‘ordem’. Este poder, surgido da sociedade, mas colocado acima dela e cada vez mais se alienando dela, é o Estado (…). Na medida em que o Estado surgiu da necessidade de conter os antagonismos de classe, mas também apareceu no interior dos conflitos entre elas, torna-se geralmente um Estado em que predomina a classe mais poderosa, a classe econômica dominante, a classe que, por seu intermédio, também se converteu na classe politicamente dominante e adquire novos meios para a repressão e exploração da classe oprimida. O Estado antigo era acima de tudo, o Estado dos proprietários de escravos para manter subjugados a estes, como o Estado feudal era o órgão da nobreza para dominar os camponeses e os servos, e o moderno Estado representativo é o instrumento de que serve o capital para explorar o trabalho assalariado.”

Nessa visão, o Estado é um instrumento essencial de dominação de classes na sociedade. Ele não está acima dos conflitos de classes, mas profundamente envolvido neles. Sua intervenção no conflito é vital e se condiciona ao caráter essencial do Estado como meio de dominação de classe (CARNOY, 1990).

A participação social nas decisões das políticas públicas deve ser analisada num contexto social das lutas de classes e da relação de unidade e luta existente na relação entre o Estado e a Sociedade Civil.

Em relação ao conceito de sociedade civil, Pereira (1995, p. 58), define o conceito de sociedade civil desenvolvido por Marx:

 

para Marx, ela é o verdadeiro centro, o verdadeiro palco da história… Ela abrange o conjunto das relações materiais dos indivíduos no interior de um estágio de desenvolvimento determinado das forças produtivas. Abrange o conjunto da vida comercial e industrial de uma etapa. Assim, a sociedade civil representa o conjunto da estrutura econômica e social de um período determinado.”

Para o processo de gestão participativa é necessário perceber que os papéis do Estado e da sociedade civil devem articular-se e complementar-se em torno do planejamento e do controle do uso dos recursos naturais e dos efeitos da degradação ambiental, e em torno da construção de um modelo de desenvolvimento, ao mesmo tempo equilibrado e transformador. Para isso é necessário que existam mecanismos capazes de proporcionar as condições necessárias para intervenções do aparato estatal e, em especial, para a mobilização e participação das comunidades diretamente envolvidas.

É necessário o desenvolvimento de uma gestão de recursos hídricos que articule os papéis do Estado e da sociedade civil, que complemente ações e que propicie espaços participativos de deliberação, como conselhos, comitês de bacias, etc., onde as comunidades envolvidas possam participar efetivamente.

Entendemos que a definição e funcionamento de um sistema de gestão participativa de recursos hídricos, não se dá apenas com modelos e técnicas eficientes e eficazes de uso e controle da água, mas essencialmente no campo da política, ou seja, a definição de uma política de gestão de recursos hídricos, enquanto uma política pública, vai refletir a correlação de força entre os diversos setores da sociedade, tendo como pano de fundo o projeto de sociedade que cada um desses setores defendem.

A PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO DA ÁGUA DO CEARÁ

Não obstante, a evolução institucional no setor de recursos hídricos no Ceará, o marco do processo de operacionalização da gestão participativa pode ser definido como sendo a criação da Companhia de Gestão de Recursos Hídricos – COGERH, pela Lei Estadual No 12.217, de 18 de novembro de 1993. Com a COGERH, teve início o trabalho de mobilização e apoio a organização dos usuários de água para a participação na gestão dos recursos hídricos.

Com o início dos trabalhos de mobilização social nas bacias hidrográficas, por parte da equipe técnica da COGERH, houve a necessidade de elaborar uma metodologia que contemplasse toda a complexidade da dinâmica social do processo de Apoio a Organização Social para a Gestão da Água, que se configurava com uma atividade nova e não tinha, na época, nenhuma experiência desse tipo realizada no Ceará ou no Nordeste.

Foi elaborada uma metodologia que nortearia todo o trabalho, tendo como princípios as seguintes orientações3: a) Conhecer a realidade de cada região identificando as organizações existentes e seus respectivos níveis de organização e o trabalho institucional que já vem sendo realizada com as mesmas; b) Apoiar a formação de organizações de usuários, respeitando as especificidades de cada realidade, enquanto espaço de negociação social, com o intuito de resolver eventuais conflitos que venham a ocorrer devido aos múltiplos usos da água; c) Dotar as representações sociais de informações técnicas para que possam ter uma visão global e integrada da problemática dos recursos hídricos principalmente de sua bacia hidrográfica; d) Assessorar as organizações sociais no que se refere a elaboração de uma proposta de planejamento e gestão de recursos hídricos, de forma integrada que privilegie um processo de desenvolvimento sustentável; e) Envolver as organizações sociais na construção de um processo de co-gestão das bacias hidrográficas, através da criação dos Comitês de Bacia.

Para a gestão de recursos hídricos a unidade de planejamento é a bacia hidrográfica, entretanto, devido as especificidades físicas, econômicas, sociais e culturais encontradas nas diversas bacias hidrográficas, era fundamental definir alguns níveis de atuação, que se articulassem e se integrasse de forma crescente até a constituição dos comitês de bacias, garantindo uma certa flexibilidade para atender as realidades específicas de cada bacia. Foram definidos, então, três níveis de atuação, o açude, o vale perenizado e a bacia hidrográfica.

O AÇUDE

Numa região semi-árida o açude se coloca como fonte de água vital, até mesmo para o processo de constituição e desenvolvimento das cidades interioranas. É, portanto, o núcleo básico da atuação institucional em termos do processo de gerenciamento de recursos hídricos, onde será apoiada a formação de comissões ou conselhos gestores de usuários dos açudes, garantindo a participação de todos os interesses e usos existentes.

Neste nível de atuação estão os açudes que não estejam integrados num grande vale perenizado, e que o trecho que o mesmo perenize seja limitado a um alcance local.

Para a atuação nesse nível deve ser considerado o açude como um todo, e o trabalho e atuação na gestão participativa da água deve ir crescendo em integração, envolvendo gradualmente as diversas partes, que venham a compor esse sistema: a parede do açude; o espelho de água (bacia hidráulica) do açude; as vazantes, se existirem; o seu trecho perenizado (liberação de água a jusante); a área de preservação; adutoras que abasteçam distritos e/ou sedes municipais. Os assentamentos humanos abastecidos por um determinado açude passam a fazer parte do sistema, independente da distância percorrida pela adutora.

Todas essas partes que podem ser verificadas num determinado açude impõem a necessidade de entendê-lo enquanto um sistema hídrico, integrado a uma realidade complexa determinada pela forma de ocupação do território, apropriação dos recursos naturais, as relações sociais de produção estabelecidas historicamente, tipos de usos de água, formas organizacionais e institucionais, etc.

Os açudes trabalhados nesse nível de atuação se enquadram na categoria de pequeno e médio porte. Os grandes açudes, geralmente estão integrados em um grande vale perenizado ou tem um alcance regional, e devido a sua dimensão e repercussão, o trabalho de organização é feito através de comissões de vales perenizados.

O VALE PERENIZADO

Neste nível as relações institucionais, culturais, sociais, econômicas e de usos são mais complexas, por isso o gerenciamento nesse nível é realizado de forma articulada, englobando todos os açudes que contribuem com água para perenizar o vale, seria considerado o somatório de todos os açudes e trechos perenizados desse sistema hídrico. Nesses sistemas integrados é onde se encontram uma grande concentração de usuários, como os irrigantes privados, os grandes perímetros públicos irrigados, abastecimentos de cidades, os vazanteiros dos diversos açudes que compõem o sistema perenizado. Essa realidade resulta numa situação de múltiplos conflitos, de alcance variado. Dada essa complexidade e o grande número de usuários, esse nível de atuação representa um segundo nível de mobilização e articulação do processo de apoio a organização social para a gestão da água.

O gerenciamento nesse nível é realizado a partir da constituição das Comissões de Vales Perenizados. A dimensão que esse processo toma, acaba resultando numa visão macro do sistema, o que por um lado é positivo dada a conseqüente ampliação da visão do sistema por parte dos participantes. Por outro lado, algumas questões que ocorrem nos açudes ou em determinados trechos perenizados, por serem problemas localizados, acabam por não receberem o tratamento adequado.

Nesse nível percebe-se uma concentração da discussão em relação a alocação anual da água, ou seja, a definição das vazões a serem liberadas pelos açudes. Nesse caso seria importante incentivar a discussão de outros temas importantes para o vale, bem com a constituição de sub-comissões por áreas de interesses mais específicas.

Os vales perenizados são constituídos por açudes de grande e médio porte, no caso do Ceará, existem três sistemas desse tipo, o Vale do Curu; os Vales do Jaguaribe e Banabuiú e o Vale do Acaraú.

A BACIA HIDROGRÁFICA

O terceiro nível de atuação é a Bacia Hidrográfica, que deve contemplar todos os processos, sejam ecológicos ou antrópicos, relacionados com a água no âmbito da bacia. É uma situação muito mais complexa que os níveis anteriores, além de ser uma nova lógica de organização espacial.

A bacia hidrográfica pode ser definida como sendo uma área onde toda chuva que cai drena, por riachos e rios secundários, para um mesmo rio principal, localizada num ponto mais baixo da paisagem sendo separada das outras bacias por uma linha divisória denominada divisor de água (COGERH, 1997).

A bacia é a unidade de gestão dos recursos hídricos, por isso a organização desse nível corresponde ao objetivo principal do processo de apoio a organização social para a gestão dos recursos hídricos, colocando-se como uma etapa muito mais avançada do processo organizativo, onde seriam constituídos os Comitês de Bacia.

O trabalho desenvolvido nos três níveis apresentados anteriormente tem a bacia hidrográfica como unidade básica de planejamento dos recursos hídrico. Entretanto, é imprescindível analisar o município como um espaço importante a ser considerado, pois é a unidade política-administrativa mais próxima do cotidiano das pessoas, é um espaço privilegiado para a organização social, onde os laços de sociabilidade se dá mais fortemente. É no município, em nível local, onde se estabelece as relações sociais de produção e de poder.

OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS

Os Comitês de Bacia Hidrográficas, são organismos colegiados integrantes do Sistema Estadual de Gestão de Recursos Hídricos, com funções deliberativas e consultivas, constituídos por representantes dos usuários, da sociedade, do poder público municipal e dos órgão públicos estaduais e federais, que tenham interesse ou atuem na bacia, com o objetivo de colocar em prática o processo de Gestão Participativa da Bacia Hidrográfica.

Os comitês de bacias se destacam enquanto um colegiado importante na construção do processo de controle social das políticas públicas no setor de recursos hídricos, se configurando num instrumento de participação da sociedade na gestão dos recursos hídricos; num espaço para discutir, formular e intervir nas políticas de recursos hídricos para a bacia; num espaço de negociação social; num organismo de Estado, pois faz parte do SIGERH (Sistema Integrado de Gestão dos Recursos Hídricos).

No Ceará o colegiado do comitê é compostos por representantes de instituições governamentais e não-governamentais, distribuídos em 04 (quatro) setores, sendo a seguinte distribuição e percentual de participação: Usuários (30%); Sociedade Civil (30%); Poder Público Municipal (20%); Poder Público Estadual/Federal (20%).

Atualmente já estão constituídos 10 comitês de bacias hidrográficas, dos 11 previstos pelo Plano Estadual de Recursos Hídricos, como pode ser visto na tabela1. Faltando apenas o Comitê da Bacia do Poti-Longá, que por ser a única bacia do Ceará que apresenta rios de domínio da União, o seu processo de formalização do comitê devera ser articulado entre a ANA (Agência Nacional de Águas), o Governo Estadual do Ceará e o Governo Estadual do Piauí.

Tabela 1 – Instalação dos Comitês de Bacia Hidrográfica no Ceará

Para a constituição dos comitês no Ceará foi desenvolvido um amplo processo de mobilização social nas bacias, seguindo os passos metodológicos citados anteriormente, não obstante, buscou-se adaptar a metodologia as especificidades históricas, hídricas e culturais e a dinâmica social de cada bacia trabalhada. Desta forma, os processos de constituição dos comitês tiveram tempo de maturação diferentes. Por exemplo, o processo de mobilização para a constituição do Comitê do Curu, o primeiro do Ceará, teve o trabalho iniciado em 1994, com o diagnóstico institucional, sendo necessário o desenvolvimento de várias ações ao longo de três anos, até sua instalação em 1997.

A metodologia de mobilização para a constituição de um comitê de bacia deve passar por várias etapas, podendo variar em alguns dos aspectos citados em função da realidade local, mas em geral, os comitês instalados no Ceará seguiram os seguintes passos metodológicos: 1 – Visita de Reconhecimento da Bacia; 2 – Diagnóstico Institucional/Organizacional; 3 – Seminário Institucional Geral/Regional da Bacia; 4 – Grupo Executivo Pró-Comitê; 5 – Comissão para Regimento e Critérios do Congresso da Bacia; 6 – Encontros Municipais/Regionais/Setoriais; 7 – Eleição e Credenciamento de Delegados; 8 – Congresso de Constituição do Comitê da Bacia; 9 – Escolha da Comissão Eleitoral para Eleição da Diretoria; 10 – Envio de Documentação ao CONERH; 11 – Instalação do Comitê; 12 – Eleição da Diretoria; 13 – Seminário de Planejamento.

Uma das etapas mais importante é o Diagnóstico Institucional/Organizacional que possibilita, através dos contatos realizados, uma melhor compreensão dos principais problemas da bacia hidrográfica, no tocante a organização dos usuários, a integração institucional e a dinâmica sociocultural. As visitas as instituições para o Diagnóstico também teria o objetivo de informar sobre a Política Estadual dos Recursos Hídricos; identificar os problemas de recursos hídricos em cada município; identificar o nível de articulação existente entre as instituições que atuam na área dos recursos hídricos.

A premissa para o processo de formação dos comitês era conseguir um amplo processo de mobilização social na bacia, que identificasse as instituições atuantes na área e que propiciasse um melhor nível de articulação entre as instituições do município que viesse a consolidar a visão da bacia hidrográfica.

E como afirma os textos do Movimento Cidadania pelas Águas, mobilizar a sociedade para a gestão participativa dos recursos hídricos, não se trata apenas de animar a comunidade, organizar reuniões e conscientizar ou sensibilizar as pessoas sobre a importância da água. O objetivo central das ações de mobilização e articulação é garantir o controle social em relação ao uso, controle e conservação da água, ou da gestão dos recursos hídricos ou o controle social em relação a concepção, planejamento e execução das políticas públicas do setor de recursos hídricos. A democratização do acesso à água, como resultado do controle social (coletivo) é um processo (que está sendo construído). E, com todo processo social, será marcado por avanços e recuos; fases de aceleração e desaceleração; e por momentos de embate e de cooperação.

A ALOCAÇÃO NEGOCIADA DE ÁGUA NO CEARÁ

Com a implementação da Política Estadual de Recursos Hídricos, houve significativos avanços no processo de definição da operação dos açudes, isto é, da quantidade de água que esses açudes liberam através de suas comportas. As definições da operação começaram a ser descentralizadas e com a participação da sociedade local.

A alocação de água é apenas uma parte do processo de gestão dos recursos hídricos, uma parte importante, é verdade, principalmente numa zona semi-árida onde existe uma situação irregular de distribuição espacial e temporal das chuvas. Essa alocação não deve ser limitada apenas a uma definição de quanto e como cada açude vai liberar de água. A alocação deve levar em consideração aspectos de gestão da oferta e da demanda, estar articulada a implementação dos instrumentos de gestão de recursos hídricos e ao planejamento da bacia.

Tendo em vista que a definição de alocar a água de forma participativa não é apenas uma questão técnica, pois envolve uma mediação de interesses políticos, sociais e econômicos, onde participam atores sociais diversos, em realidades locais diferenciadas, devem ser considerados alguns procedimentos que são fundamentais para que esse trabalho alcance seus objetivos: I – Respeitar as especificidades de cada realidade, enquanto espaço de negociação social, com o intuito de mediar eventuais conflitos que venham a ocorrer; II – Dotar os usuários de informações técnicas para que possam ter uma visão global e integrada da problemática dos recursos hídricos; II – Capacitar os usuários de água, nos diversos usos, para que estes possam acompanhar as ações governamentais e colaborar com o processo de gestão dos recursos hídricos, principalmente na ;implementação dos instrumentos de gestão.

Para a implementação de um processo de alocação participativa de água, é preciso perceber que a água necessariamente se presta a múltiplos usos, e esses usos muitas vezes são concorrentes e competitivos, e isso pode levar a conflitos pelo uso da água. O fato dos recursos hídricos terem usos concorrentes e competitivos não significa automaticamente a existência de conflitos, pois o que leva ao aparecimento de conflitos numa determinada realidade, não é o uso competitivo em si, mas a ausência de normas constituídas ou então a quebra dessas normas quando existentes.

Por isso para alocação participativa de água, que também passa por um processo de mediação de interesses diferentes, deve-se atentar que é necessário o atendimento das seguintes premissas: a) Diálogo – é preciso garantir uma ambiência favorável ao diálogo, para isso deve prevalecer uma relação de respeito, confiança e transparência entre os atores sociais envolvidos; b) Aparato Técnico – é necessário que a equipe técnica que assessore o processo disponha de informações detalhadas em relação ao sistema hídricos que está sendo trabalhado, que envolva conhecimentos dos aspectos da realidade institucional e organizacional da área, do balanço hídrico do sistema, dos dados de engenharia, dos rios que fazem parte, das comunidades em torno do sistema, etc. É imprescindível que a equipe técnica demonstre conhecimento sobre a realidade local para que as partes envolvidas na negociação tenham segurança no processo de mediação; c) Aparato Normativo – Para que o processo de alocação participativa seja viável é necessário que existam ou sejam criadas de forma negociada e consensual normas formais ou informais que norteiem o comportamento dos diversos usuários de água do sistema hídricos, no que diz respeito ao uso, controle e conservação dos recursos hídricos.

Para o desenvolvimento de um trabalho de alocação participativa de água, é preciso seguir alguns passos, que não são uma receita pronta e acabada, mas define etapas importantes que devem ser atendidas, considerando a possibilidade de adaptações, em função da realidade local: I – Visita de Reconhecimento do Sistema Hídrico; II – Diagnóstico Institucional/Organizacional; III – Levantamento dos Diversos Tipos de Usos; IV – Balanço Hídrico (demanda x oferta); V – Simulação da Operação do Sistema (definição de cenários para a negociação); VI – Articulação e Mobilização; VII – Seminário de Planejamento da Operação do Açude; VIII – Formação da Comissão dos Usuários; IX – Monitoramento; X – Reuniões de Acompanhamento.

O processo de alocação participativa de água deve ser iniciado com Visitas Técnicas ao Sistema Hídrico, com o objetivo de conhecer os detalhes do funcionamento do sistema e se apropriar de informações da realidade local.

Em seguida deve ser realizado um trabalho de Diagnóstico Institucional/ Organizacional, com o objetivo de conhecer os atores sociais que podem atuar no processo de gestão dos recursos hídricos e a realidade organizacional e institucional da área para definir melhor as estratégias de construção de um sistema de gerenciamento participativo dos recursos hídricos. Como resultado desse diagnóstico será definido um mapeamento das instituições governamentais e não-governamentais com atuação na área. Durante essa etapa deve ser desenvolvido um trabalho de sensibilização com os atores sociais no sentido de apresentar e disponibilizar informações sobre a importância da gestão das águas e dos aspectos institucionais e legais da Política Estadual dos Recursos Hídricos.

É necessário também realizar o Levantamento dos Diversos Tipos de Usos, mapeando os múltiplos usos existentes no açude, definindo tipos de usos, localização, consumo, etc., identificando os principais usuários e/ou as entidades representativas de usuários (associações, cooperativas, distritos de irrigação, agroindústrias, etc.), que devem ser envolvidos como agentes essenciais do processo de organização e planejamento da alocação participativa dos recursos hídricos.

Essas informações sobre os usos existentes são importantes exatamente para que o órgão gestor possa, de posse das informações da oferta (quantidade de água disponível nos açudes), e das demandas dos usuários existentes realizar o Balanço Hídrico, do sistema hídrico que será operado.

Em seguida o órgão gestor prepara a Simulação de Operação do Sistema, que é na realidade uma simulação de esvaziamento dos açudes, considerando várias alternativas de liberação de água pelos açudes. A simulação vai apresentar alternativas de operação dos açudes envolvidos, ou seja, vai elaborar cenários, que servirão para que os usuários possam decidir quais vazões deverão ser liberadas pelos açudes. Nessa simulação é apresentada várias possibilidades de liberação de água, especificando, mês a mês, a quantidade de água liberada pelo açude, a quantidade de água que é evaporada, o comportamento do volume através dos valores em milhões de metros cúbicos e em percentagem de acumulação de água.

Outro momento importante é o processo de Articulação e Mobilização, que objetiva envolver a sociedade no processo de gestão dos recursos hídricos, devendo ser adotada uma abordagem que seja coerente e consistente, mas flexível para poder atuar diante das diferentes realidade e especificidades pertinentes a cada realidade local. O respeito às instituições e organizações que atuam na área deve ser um elemento importante para a construção de uma relação de transparência e de confiança, que objetive o envolvimento efetivo dos atores sociais no processo de alocação participativa.

Em seguida é realizado o Seminário de Planejamento da Operação do Açude, onde será convidado todas as instituições e usuários identificados que tenham interesse na operação do açude, para que seja apresentada as simulações e ocorra o processo de negociação para a definição de qual vazão será liberada.

Ao final do seminário é realizada a Formação da Comissão dos Usuários, que deve ter na sua composição instituições e usuários que contemple todos os interesses existentes no açude. Esta comissão tem o objetivo verificar se as vazões definidas na reunião estão sendo cumpridas e deliberar sobre algum ajuste que seja necessário.

Após o seminário o órgão gestor libera as vazões definidas e inicia um processo de Monitoramento, tanto do comportamento do açude quanto do comportamento ao longo do rio perenizado, definindo seções de controle onde é medida a vazão que está passando no rio, para acompanhar o atendimento aos diversos usuários.

O acompanhamento da operação do sistema é realizado pela comissão de usuários, em Reuniões de Acompanhamento, realizadas periodicamente, onde o órgão gestor apresenta dados do monitoramento, onde é comparado a situação real com o que foi planejado, é realizado um a discussão com a comissão, que pode vir a deliberar algum ajuste, caso a operação não esteja de acordo com o planejado.

O processo de alocação negociada de água desenvolvido no Ceará se constitui num avanço importante no processo de gestão participativa, na media em que propicia as condições necessárias para a participação do usuário local na definição da água a ser liberada.

E este processo tem um alcance importante, pois muitos açudes públicos já são operados dessa forma, com a participação dos usuários, garantindo um uso da água mais eficiente e propiciando transparência na liberação das águas dos açudes públicos. Sem contar que muitos açudes que não perenizavam nenhum trecho, passaram a perenizar rios e riachos, garantindo uma melhor distribuição dessa água, fazendo com que a água possa percorre rvários quilômetros, atendendo áreas que tinham dificuldade de água no período seco. Como pode ser visto na Tabela 2, onde demonstra os quantitativos relativos aos açudes onde houve alocação negociada de água em 2005.

Tabela 2 – Dados da alocação negociada de água em 2005

Fonte: COGERH, 2005.

Nesse processo de alocação negociada de água podem-se elencar vários aspectos positivos e algumas dificuldades identificadas, que descreveremos a seguir:

ASPECTOS POSITIVOS

  • Liberação de água mais real, baseadas em informações dos usuários;
  • Envolvimento dos usuários diretos;
  • Resolução de conflitos de forma negociada;
  • Capacitação dos usuários;
  • Incorporação da experiência empírica das populações locais na operação do açude;
  • Conscientização dos usuários da necessidade de conservar o açude;
  • Diminuição da influência política na liberação de água;
  • Apropriação, pela sociedade, de termos e informações relativas a operação do açude
  • Reafirmação do caráter social dos açude públicos;
  • Visão integrada do sistema hídrico;
  • Transparência no processo de liberação de água dos açudes

DIFICULDADES ENCONTRADAS

  • Reação inicial de descrédito por parte da população;
  • Dificuldades de fazer os usuários cumprir o acordado;
  • Dificuldade de controlar ações que poluem o açude (lava carros, roupas, etc.);
  • Falta de legalidade jurídica da comissão de acompanhamento;
  • Composição e quantidade de membros das comissões variados (não há uma norma);
  • Comissão opera apenas na liberação de água;

Muitas dessas dificuldades estão sendo discutidas entre os Comitês de Bacias, as Comissões de Acompanhamento e os órgãos gestores do Ceará, inclusive com avanços concretos. Em 2007 saiu uma Resolução do CONERH (Conselho Estadual de Recursos Hídricos), onde dispõe sobre os critérios para a formalização das Comissões Gestoras de Sistemas Hídricos no Ceará, reconhecendo e definindo critérios para a formalização desses importantes colegiados de participação dos usuários na gestão dos sistemas hídricos locais, que existem informalmente, criados durante o processo de operação participativa dos açudes públicos, a partir 1996.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Política Estadual de Recursos Hídricos, que vem sendo implementada no Ceará, tem com princípio a integração, descentralização e a participação, e tem contribuído efetivamente para uma gestão mais eficiente da água no Estado. Através da estruturação de um sistema de uso controle e conservação dos recursos hídricos.

O que determina a mudança de paradigma dessa política não é a modernização do aparato técnico para a gestão da água, que é importante, mas o fundamental é a possibilidade de implementar um modelo de gestão participativa, ou seja, a participação da sociedade é o elemento novo da política de recursos hídricos.

Há uma cultura de participação que vem se desenvolvendo na sociedade brasileira, todavia esse processo é permeado por recuos e avanço resultado da contradição dialética a sociedade civil e o Estado e das correlações de forças determinadas pelo movimento de luta de classes.

A gestão participativa de recursos hídricos tem como espaço privilegiado de discussão e deliberação os comitês de bacias hidrográficas. Esta definição da bacia hidrográfica como unidade de planejamento da gestão da água, coloca um desafio ainda maior ao processo participativo, pois esta unidade, por ser definida a partir da realidade física da rede de drenagem da água, não correspondem aos limites políticos administrativos dos municípios.

O processo de constituição dos comitês tem sido induzido pelo Estado, e isso causa uma dependência e atrelamento do funcionamento desses colegiados em relação aos organismos públicos responsáveis pela gestão no Estado.

O comitê de bacia é um organismo colegiado integrante do Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos, por isso um organismo de Estado, que deve seguir as diretrizes e princípios estabelecidos na Lei Estadual de Recursos Hídricos. Todavia, enquanto um espaço consultivo e deliberativo, e contar com a participação de usuários e sociedade civil, o comitê precisa exercer suas atribuições estabelecendo uma dinâmica própria de funcionamento, que passa pela autonomia na definição de sua agenda de discussão, do funcionamento interno e pela garantia de execução de suas deliberações.

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1 Engenheiro Agrônomo (UFRPE); Analista em Gestão de Recursos Hídricos da COGERH; Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFC). ubirajarap@gmail.com

2 Adaptado de Carvalho, 1998.

3 Garlulli, et all., 1995.

 

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