Pesquisador discute a forma como têm sido gerenciados os recursos naturais do Semiárido ao longo da História

Piranhas (AL). O professor Marcel Bursztyn, do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), traça um cenário de riscos para o Semiárido nordestino – secas mais profundas, fragilidade das instituições e o persistente déficit da Educação. “A região vai sofrer consequências graves nas próximas décadas e, portanto, vai necessitar de novas estratégias para enfrentar esses ciclos”, disse.

Bursztyn fez a palestra de abertura do Segundo Seminário Internacional de Convivência com o Semiárido. O evento, promovido pelo Centro Xingó, com apoio da UnB, da Universidade Federal do Cariri (UFCA) e da Universidade Politécnica de Madrid reuniu 250 técnicos, pesquisadores e agricultores, no início desse mês, em Piranhas, Sertão de Alagoas.

O pesquisador é um dos maiores especialistas do País em estudos do Semiárido, com vários livros e artigos publicados, entre eles “O Poder dos Donos: Planejamento e Clientelismo no Nordeste”, “Fundamentos de Política e Gestão Ambiental: Caminhos para a Sustentabilidade” e “Para Pensar o Desenvolvimento Sustentável.

Bursztyn percorreu um longo percurso histórico relacionando capital, trabalho e natureza desde a revolução industrial e a explosão demográfica ocorrida a partir de meados do século XIX – de um bilhão de pessoas pulando para sete bilhões no Século XXI, o que demanda a gerência da escassez e degradação do meio natural.

História difícil

Marcel Bursztyn narrou a história do Semiárido desde a chegada dos colonizadores europeus, uma história de exploração do solo e de muito fogo. Lembrou que os historiadores que narram a ocupação do Brasil, quando se referem ao Nordeste, mencionam imensas queimadas, sejam para o plantio de lavouras, sejam para abrir caminhos nas matas para conquista do território.

“O tema queimada é o mal-estar do sertanejo, costume que até hoje faz parte da cultura da região. A história do Semiárido foi contada em prosa e verso por séculos como uma região castigada, durante intervalos de tempo, pela seca. Drama que vem se acentuando com o fenômeno do El Niño, diz.

A mudança climática, segundo o professor, chega a alterar o tamanho da gota de chuva, que está ficando menor, perdendo a capacidade de infiltração e ganhando mais rapidez de evaporação. O fenômeno foi observado primeiro pelos sertanejos, depois pesquisas o comprovaram. “Existem coisas ocorrendo com o clima que não pertencem à história que conhecemos”.

Fluxos Migratórios

Outro ponto complexo com relação ao Semiárido são os fluxos migratórios que, historicamente, geravam deslocamentos de nordestinos em busca de trabalho na indústria e construção civil de São Paulo. Marcel Bursztyn enfatiza que essa frequência, antes sazonal, não ocorre mais em padrões tradicionais. Grande parte do fluxo acaba se verificando na própria região, em cidades pequenas e médias. “Isso é um fato novo, que vem ocorrendo nos dez, quinze últimos anos”.

Tentativas frustradas

Ele lembrou estudos de Celso Furtado relacionados ao Semiárido, uma região que jamais deveria ser ocupada intensamente mediante a incorporação de tecnologias complexas e caras, disseminadas em alta escala. “Afirmaram que o Semiárido poderia se transformar numa Califórnia ou Israel. Qualquer pessoa com um pouco de bom senso sabe que não tem capital no mundo para bancar a irrigação no Semiárido – não tem grana, não água, não tem condições”. E criticou a implantação de perímetros irrigados pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) e Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), na tentativa de se criar espécies de oásis no Semiárido.

“Isso resolve o problema? Eu tenho dúvidas. Até porque a eficiência desses investimentos é baixa, com perdas enormes, problemas de gestão, salinização. Só funciona quando o investimento se dá por meio de fundo perdido. Ora, quando se fala em fundo perdido é a sociedade quem está pagando”, disse.

Durante cem anos – frisa Marcel Bursztyn – se falou em obras contra as secas: “Minha pergunta: onde fica o povo? Ora, a história da lida com o povo dessa região é uma história de assistencialismo. A seca é muito intensa? Então vamos fazer uma frente de emergência para evitar saques, mortes, migrações desesperadas em época de estiagens rigorosas. Pagava-se o sujeito para construir o açude sonrisal, obra que desabava depois da primeira chuva. O objetivo não era produzir nada, mas sim manter o sujeito na frente de trabalho”.

Assistencialismo

Ele liga o assistencialismo do passado ao praticado hoje, embora com conotações diferentes. “Saímos do assistencialismo de episódio para o assistencialismo como processo. Isso significa: você não paga o sujeito somente na crise, paga o tempo todo por meio de mecanismos como o Bolsa Família. Ele ganha inclusive em períodos de seca. Uma outra forma de transferência de renda são as aposentadorias que se estendem às pessoas idosas, mesmo aquelas que nunca contribuíram com a Previdência.

Bursztyn acentua que esse processo gera implicações enormes sobre o fluxo migratório e sobre a Economia, semeando um desestímulo indireto para quem produz e um sistema de economia raso. “Parte da população não precisa ficar no campo, o que suscita uma situação demográfica curiosa. Cidades com bastante velhos e crianças e com pouca gente em idade de trabalho. Isso é o inferno de qualquer demógrafo e está ocorrendo no Semiárido”.

Indicadores negativos

Diante desse quadro, ele destaca que não existe autossuficiência no Semiárido nordestino. Nem evidências sobre os resultados da geração de alimentos pela agricultura familiar. “Todos sabem que o sertanejo está comendo mais macarrão com estrato de tomate do que macaxeira”, exemplifica.

Essa situação leva a vários indicadores negativos sobre a região. No Semiárido nordestino, segundo ele, ainda persevera a pobreza e a extrema pobreza: “existe uma grande persistência desse quadro comparativamente com o restante do País”.

Para ele, as secas cada vez mais frequentes e profundas é o obstáculo mais grave para o Semiárido nos próximos anos. Segundo Bursztyn, os estudos, os cenários já existentes de mudanças climáticas, “têm apontado que essa região vai sofrer consequências graves nas próximas décadas e, portanto, vai necessitar de novas estratégias para enfrentar esses ciclos”.

Soma-se a esse quadro a fragilidade das instituições com a descontinuidade de políticas públicas: “Quando muda o chefe, muda a prioridade, suscitando erros na gestão de orçamentos, de recursos, também escassos”.

Ele citou o déficit de educação e formação profissional, mesmo com o aumento do número de crianças nas escolas. “Mas, quando analisamos os índices internacionais sobre a qualidade da escola no Brasil, verificamos que o nosso é pior que o do Haiti. Noventa e oito por cento dos meninos vão à escola, mas voltam para a casa sem entenderem nada. A escola é uma porcaria”.

A redução da taxa de natalidade, da pobreza extrema e a descoberta das vocações locais, como o turismo, são alguns dos lenitivos para a região. Mas os grandes desafios ainda persistem. “O desafio é passar da assistência para a permanência das pessoas na região e buscar a autossuficiência. Em suma, com a natureza não se briga. É preciso buscar um novo contrato envolvendo as pessoas e a natureza e procurar meios de preservar o meio em que vivemos”.

*Prof. do Curso de Jornalismo (UFCA)

fonte: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/negocios/semiarido-precisa-de-nova-estrategia-1.1436247

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